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Comunidade quilombola na Bahia oferece experiência imersiva de turismo étnico sustentável de base comunitária

Atualizado: 18 de mai.

Se você é um viajante em busca de experiências de convivência enriquecedoras do ponto de vista cultural, anote aí o endereço. Engenho da Ponte, comunidade situada no Vale do Iguape, região de Cachoeira, cidade histórica do Recôncavo baiano, 120 km a noroeste de Salvador. O Engenho da Ponte é uma das 18 comunidades certificadas como remanescentes de quilombos pela Fundação Palmares. O título veio em 2004, mas a história remonta ao século XVI, ou ainda bem antes pelas formações afro-diaspóricas entre África e Brasil.


Imagem: Bárbara Santos


Do samba de roda à mariscagem no mangue, do pirão de galinha de quintal às rodas de conversa. Da igreja de Nossa Senhora da Conceição ao Pé do Velho, referência a Omulu e (São Roque). Hoje, a comunidade retoma um projeto coletivo para oferecer três roteiros de turismo étnico sustentável de base comunitária capazes de mexer com todos os sentidos. É pura imersão cultural, uma viagem pela história da comunidade.


Em 2018, na perspectiva de geração de renda para a comunidade, o Coletivo de Jovens Empreendedoras/es do Engenho da Ponte, que integra o Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape, organizou-se para a venda de produtos da pesca e da agricultura familiar. Principalmente para evitar os atravessadores, explica a produtora cultural Bárbara Santos, 26 anos, mestranda em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas e bacharel em Cultura, Linguagens e Tecnologias pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), “nascida e criada com os meus ancestrais, com a minha identidade dentro da comunidade do Engenho da Ponte”.


Um ano depois, explica Bárbara, os produtos começaram a ser comercializados no mais tradicional evento da comunidade, a Festa de São Roque, mas a iniciativa foi prejudicada pela pandemia. Já em 2023 foi realizada uma experiência pontual de roteiro turístico a partir da vivência comunitária, a cultura, as tradições e a religião.


A comunidade, que conta atualmente com 35 famílias, retoma agora o projeto, aberta a parcerias com agentes ou agências de turismo no sentido de consolidar o turismo étnico sustentável de base comunitária como uma fonte de renda para os moradores, mas principalmente para a juventude. “Gerir o processo de organização da renda ajuda na fixação da comunidade, na valorização da identidade”, avalia.

 

Conexões

O primeiro roteiro, denominado “Vivenciando História do quilombo Engenho da Ponte e Imersão cultural com sambadores”, é constituído de experiências que incluem a história da comunidade através de rodas de conversa com os mais velhos e também os mais jovens moradores.


Imagem: Carlos Caroso


Inclui, ainda, uma visita à igreja de Nossa Senhora da Conceição, monumento histórico da comunidade. E a dois locais sagrados: a um baobá e a outro local, o “Pé do Velho”.  Doado à comunidade, o baobá foi plantado em 2019. Trata-se de uma árvore de ligação espiritual com a África, de ressignificação do território, de conexão com território, mais no sentido espiritual e religioso, conta Bárbara.


"O baobá é uma árvore sagrada do continente africano. E aí tem todo um processo de discussão sobre isso que é a referência do baobá para os povos africanos. Tinha essa relação como árvore da memória, árvore da vida, árvore da espiritualidade, árvore da fartura, árvore de conexão com os ancestrais. E quando os povos africanos vieram para o Brasil no processo de escravização, eles eram obrigados a dar sete voltas ao redor do baobá. Porque os colonizadores identificaram que essa árvore tinha uma ligação espiritual com as pessoas, e pensaram que se eles dessem sete voltas no baobá eles iriam, nesse processo de escravização, de passagem Atlântica pela perspectiva do tráfico negreiro, eles iriam esquecer das suas origens, eles iam esquecer dos seus processos religiosos, eles iam esquecendo das suas identidades", aponta.

O “Pé do Velho” está diretamente conectado à história de formação da comunidade, da identidade cultural e religiosa do Engenho da Ponte. O nome provém da representação de Omolu como um velho, local onde a comunidade reunia as obrigações ritualísticas, rezas e oferendas para Omolu/Obaluaiê. A mística figura de Omolu, sacralizada em lugares específicos como no “Pé do Velho”, é sincretizada com o santo católico São Roque. Não por acaso, é a principal festa da comunidade.


Os mais antigos, relata Bárbara, contam que a Festa de São Roque tem origem no século XX. Todo mês de agosto, Omulu, orixá conhecido como “O Velho”, percorria a comunidade com um saco de aniagem às costas, cabaça e cuia nas mãos a pedir esmolas. “Omulú/ Obaluaiê é considerado pelas religiões afro-brasileiras como o orixá curador das enfermidades físicas do povo negro, assim a sua figura está associada à aparição dos surtos de doenças ocorridas na comunidade. Muitas narrativas afirmam que este orixá se caracteriza como orixá da doença junto a Nanã, orixás conhecidos como “os velhos”, assim se vincula também que a aparição do velho e das epidemias de bexiga e sarampo fizesse com que os moradores reconhecessem naquele velho um apelo pelo culto e devoção a Omolu”, escreveram Bárbara Santos, Rita de Cássia Dias Pereira Alves e Selma Silva dos Santos no artigo Memória e Transmissão Oral dos Saberes Quilombolas.


A história do sincretismo Omolu/São Roque na comunidade passa pela intervenção dos donos da terra. Elvira Novis, fazendeira, devota de Nossa Senhora da Conceição e organizadora da festa em homenagem à santa, trouxera de Salvador para a comunidade uma imagem de São Roque. Inicialmente, a festa era organizada em agosto, mas em decorrência do período chuvoso passou a ser realizada em fevereiro. Precede a festa a “esmola cantada”, momento devocional oriundo das promessas e pedidos feitos pela extinção das epidemias e mortes na comunidade. É uma forma de agradecimento pelo fim das doenças, seguida de três dias de festa.


Imagem: Mário Lampelli


O roteiro é concluído com uma imersão daquelas de, literalmente, sacudir os sentidos com um mergulho no rico universo da cultura quilombola: o samba de roda, que junto com as brincadeiras simples das crianças a escalar as árvores em busca dos frutos, é um dos principais componentes de lazer da comunidade.


Do mar à terra

O segundo percurso é denominado “Vivenciando a História do Quilombo do Engenho da Ponte em maré cheia na canoa de pescador”. Inclui também a visita à igreja, ruínas da comunidade e um passeio de barco até  às ruínas dos engenhos da outra comunidade quilombola, o Engenho da Praia. Inclui uma experiência original, a visita às camboas, locais à beira-mar que se enchem na preamar e ficam em seco na baixa-mar, de onde se extrai a ostra. “Experiências sobre a técnica do fazer e a técnica do proteger”, resume Bárbara.


Imagem: Bárbara Santos


O terceiro roteiro, “Vivenciando a história do Quilombo do Engenho da Ponte com imersão nos manguezais com Marisqueira”, inclui um dia inteiro de experiências na comunidade, das primeiras horas da manhã até o final da tarde. Inclui “todo o processo do ofício da mariscagem”, explica Bárbara. E o set de experiências é o manguezal: “o que é e o que vive por lá”, define Bárbara. A expedição retorna à terra direto para o mato, de onde são retirados os temperos, as plantas de cura usadas nos rituais de umbanda ou candomblé.


Termina no que a pesquisadora chama de escaldado coletivo, que inclui o pirão e o molho lambão. “É carro-chefe, tanto de comunidade quilombola tanto com o sentido do que é a cultura baiana. O molho lambão é aquele molho que a gente come na comunidade com o pirão escaldado, com o cozido”. Tradicionalmente aos sábados, dia de açougue nas comunidades, o cozido é preparado com carne fresca. “E tem que ter o molho lambão, tanto para os pirões quanto para as moquecas”, explica.


O almoço nativo, incluído no roteiro, é um cardápio formado por pratos como a moqueca de ostra, a moqueca de sururu, a galinha de quintal. Ou pratos tradicionais como o arroz, feijão, bife e salada e até opções para vegetarianos. Tudo isso feito coletivamente. “Ninguém vai para a maré sozinho, ninguém cata o dendê sozinho”, ensina Bárbara, lembrando os costumes da comunidade.


Para ela, todo esse processo está ancorado numa metodologia do fazer junto, mas principalmente num processo de valorização da identidade, das raízes.


“Eu tenho costume de dizer que eu posso sair da comunidade para ir para onde eu for estudar, passar um mês, um ano, mas eu vou sair com minha comunidade comigo: carregando a minha comunidade. Porque aí envolve tanto os aspectos tanto religiosos, espirituais, quanto sociais, quanto políticos também: do que é me reconhecer enquanto cidadã quilombola que precisa acessar os locais de poderes da sociedade, mas que precisa acessar junto com os meus fazer com que os meus também acessem, né? Essa perspectiva que eu trago na minha formação acadêmica, na minha trajetória de vida. Mas, eu amo este chão de massapê, não desejo sair daqui. Fortalecer a produção econômica coletiva local é de certo uma estratégia para que os jovens continuem hoje a não querer e não precisar migrar para a cidade”, analisa.

Contatos para parceria e agendamento podem ser encaminhados para Bárbara Santos (71) 98301-7411 ou pelo Instagram do coletivo de jovens @coletivodejovensquilombolas

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